Plena manhã de quinta-feira e estou iniciando minha filha Cecília em uma velha tradição familiar: pouco antes da hora do almoço, nos encaminhamos ao bar do Miloca, ali perto da casa do meu pai, justamente para encontrar seu Arão.
Alguns minutos antes, estávamos, eu e ele, empenhados em derrubar um poste de concreto que havia na frente de casa e estava deteriorado pela maresia. Finda a tarefa, seu Arão resolveu tomar um gole.
Quando moleques, meu irmão e eu costumávamos ir “resgatar” o meu pai nos bares da cidade. Sempre que estava em terra, de folga da pescaria, ele batia ponto no bar do seu Môri, da dona Maria ou do seu Saul Bértemes, e era com alegria que recebíamos a tarefa de buscá-lo para almoçar. Havia sempre a expectativa de ganhar balas e refrigerantes.
Pois bem, fomos eu e a Cissa até o bar do Miloca. E lá estava seu Arão, de pé diante do balcão, junto com o Miro do Izaltino e o Ivo, serralheiro. Diante deles, três “martelos” de cachaça. A do Ivo, branca como água, as outras de um amarelo dourado. Miloca atendia ao trio do outro lado do balcão.
Com a Cissa entretida com a mascote do bar, uma pequena gata branca e malhada, sentei-me a uma das mesas de plástico para tomar uma cerveja, cortesia do seu Arão, e ouvir a conversa dos três.
Ivo logo se despede, mas Miro engrena a contar causos de família, devidamente estimulado pelo meu pai. E é aí que fico conhecendo uma história de talvez uns cem anos atrás, envolvendo o avô do Miro, José Basílio, e o irmão deste, José Eduardo.
Segundo o ascendente dos dois Josés, houve uma briga entre os irmãos que terminou de maneira trágica: Basílio cravou um machado nas costas de Eduardo. Isso ocorreu diante da cruz que antigamente se erguia na beira da praia, defronte à igreja matriz de Porto Belo.
Foi um caso rumoroso, garantiu Miro. Mas não foi o único crime envolvendo sua família. Anos mais tarde, um irmão seu, Nino, voltava de uma noitada de baile no Vila Nova. Mas houve confusão e ele foi perseguido e morto por uma turba. Seu corpo apareceu boiando próximo à linha da maré, perto da antiga salga e — coincidência sinistra — da cruz onde, décadas antes, seu avô matara o irmão.
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