Cozalinda pulará o Carnaval na companhia de “Cabeçudos”

Alegorias serão a principal novidade do bloco na folia deste ano em Porto Belo

Noite de quinta-feira, 24 de janeiro, centro de Porto Belo. No Espaço Bonequiando, ateliê de arte cerâmica do casal Patrícia e Miguel Estivallet, está havendo serão. O motivo é a transformação extraordinária do local em oficina de bloco carnavalesco, uma vez que dali sairá a principal novidade do Cozalinda para o Carnaval deste ano em Porto Belo: os “Cabeçudos”.

Rádio sintonizada na emissora comunitária local para fugir à Hora de Brasília, cervejas para espantar o calor e trabalho em regime de mutirão, aos poucos as alegorias ganham forma (serão necessárias mais algumas noites até que fiquem prontas).

Bloco surgiu em 2017 como tributo ao tradicional carnaval de marchinhas (fotos: Isadora Manerich)

Reforçado pelos Cabeçudos, o Cozalinda vai percorrer a rua Manoel Felipe da Silva Neto pelo terceiro ano consecutivo. Nascido em 2017, o bloco é puxado por Carlos Gabriel de Campos Silva e Daiana Serpa. O casal, que viaja periodicamente ao Rio de Janeiro por amor ao samba, tinha como local de folia mais próximo o distrito de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Para Biel, como é conhecido, não haver o tradicional carnaval de marchinhas em Porto Belo, “com a quantidade de músico que tem aqui, é um desperdício”.

Assim, a dupla arregimentou alguns egressos da banda União Tijuquense, de Tijucas, montou uma charanga e promoveu a primeira aparição do Cozalinda. Tudo muito rápido, apenas quinze dias para, literalmente, botar o bloco na rua. O resultado? “Superou as expectativas”, avalia Biel (com a ressalva de que, segundo ele, não havia muita expectativa a superar).

Daiana e Biel põem a mão na massa: “Não ter carnaval de marchinhas em PB é um desperdício”

MARCHINHA E FANTASIA

No ano seguinte, o bloco voltou à rua mais encorpado (e decerto com um nível de exigência maior em relação aos resultados). Foi uma das sensações das festividades do município, que contaram ainda com o desfile da escola de samba Unidos de Porto Belo e a realização de shows em um palco montado defronte à Praça da Bandeira, no centro da cidade.

“O pessoal botou fé que podia ir fantasiado e não pagar mico”, observa Daiana, antecipando a principal meta do grupo: fazer as pessoas caírem na folia vestidas a caráter. “Ano passado foi a maior concentração de camisas de seleções africanas em um bloco de carnaval”, brinca o jornalista Thiago Furtado, que este ano passou a fazer parte da “diretoria” e tem sido responsável pela divulgação das ações.

A fantasia, entretanto, é opcional (ainda que fortemente recomendada). Na verdade, não existe custo ou restrição para quem quiser sair no bloco, que este ano vai repetir o trajeto entre o píer municipal, local da concentração, e o Armazém Bistrô, logo após a praça, na noite de sábado, 2 de março. O bloco trabalha ainda com a possibilidade de contratar uma banda, além daquela que acompanha o cortejo, para animar os foliões no ponto de chegada. Para isso, o pessoal tem passado o chapéu no comércio local, de maneira a poder bancar os músicos.

CABEÇUDOS

A ideia dos Cabeçudos, a novidade deste ano, surgiu de uma visita de Biel e Daiana ao carnaval de Olinda (PE) em 2015. O objetivo era tê-los feito estrear nas edições anteriores. Porém, devido ao alto grau de improviso das primeiras experiências, só agora que o projeto decolou. Isso graças aos dotes artísticos e à engenharia de Patrícia e Miguel.

Cabeçudos tomam forma: inspiração na tradição de Portugal

Patrícia pesquisou e encontrou inspiração na folia de momo portuguesa. Por lá, são tradicionais os cortejos envolvendo “cabeçudos” e “gigantones” — os primeiros constituídos de uma cabeça avantajada feita em pasta de papel que o folião carrega sobre os ombros; os segundos, bonecos de mais de 3 metros semelhantes aos usados no carnaval pernambucano.

A artista usou os cabeçudos lusitanos de referência para as duas alegorias que o bloco estreará este ano. Ela confeccionou moldes de argila e os revestiu (com ajuda do pessoal do bloco e colaboradores) com tiras de papel e cola — uma técnica chamada papietagem.

MAZINHO E HARRY

Os cabeçudos do bloco homenageiam duas figuras que, em períodos diferentes, gozaram de relativa popularidade em Porto Belo. O primeiro é Mazinho, ex-pescador e morador de rua que perambulou pelo Centro (acompanhado de seus vira-latas) até maio do ano passado, quando faleceu por complicações decorrentes do alcoolismo.

Máscara de Mazinho quase pronta: ideia original era homenagear sambistas famosos

O outro é Harry Laus, jornalista, contista e crítico de arte nascido em Tijucas. Oficial do Exército, Harry viveu em quartéis pelo país em seu período na ativa. Passado à reserva, no início dos anos 1980, radicou-se em Porto Belo, onde escreveu a peça “O Santo Mágico” (1982), ambientada no município. Mudou-se em seguida para Florianópolis, ocupando pela segunda vez o cargo de diretor do Museu de Arte de Santa Catarina (Masc). Morreu na Capital em maio de 1992.

Originalmente, os Cabeçudos seriam efígies de sambistas consagrados. A proposta acabou descartada em favor de uma solução mais personalizada: “Achamos que seria uma boa ideia homenagear gente daqui”, explica Thiago. Com isso, o intelectual Harry e o folclórico Mazinho surgiram como primeiras opções. Para o próximo ano, o bloco pretende submeter a escolha ao “voto popular”.

EXEMPLO

Após o início modesto, Biel e companhia agora têm ambições. A principal delas é fomentar o carnaval de rua de Porto Belo. Em paralelo, quem sabe, exportar o modelo para os municípios vizinhos —embora alguns possuam blocos mais antigos, não têm a pegada “old school” e familiar sugerida pelo Cozalinda, conforme define Thiago.

“Não tem carnaval desse [blocos com charanga e marchinhas] na região inteira”, acrescenta Biel, que espera ver mais gente — e mais blocos — na rua no decorrer dos próximos anos.

Ao que parece, o que menos interessa a esse pessoal é monopolizar a avenida: “A ideia é se divertir sempre. Tendo os amigos por lá, já está feito!”, afirma o folião.

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  1. Elisabete

    Excelente matéria Alcides, dale cozalinda!

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