Cartazista melhora a indicação de seu endereço e inicia movimento de renovação urbanística

No disco de 2006 da banda blumenauense Stuart (de “punk brega”, segundo definição de seu cabeça, Gustavo Kaly), há certa canção sobre uma banda que está na bica de participar de um show de hardcore. O problema é que, naquele corre para divulgar o evento, o lote de cartazes encomendado da gráfica saiu péssimo. “Precisamos de meninas bonitas para aplaudir as nossas músicas, mas quais as meninas bonitas que irão com cartazes feios?”, questiona o líder do grupo, para depois concluir que o desfecho não poderia ter sido outro — afinal, “postes feios merecem cartazes feios”.

A verdade é que os postes, ainda que absolutamente necessários, carecem de estética. Não falamos, naturalmente, dos mais ornamentais, que às vezes vemos iluminar com garbo e dignidade as praças e os calçadões à beira-mar. Falamos dos trambolhos que se enfileiram à margem de nossas ruas e avenidas — desempenhando papel relevante, não há dúvida, mas de um modo que os torna um estorvo urbanístico e um espetáculo triste ao olhar.

Postes nos dois lados da Avenida: poluição visual (fotos: Alcides Mafra)

Nesse quesito, Porto Belo foi brindada com uma dose extra de fealdade, uma vez que sua principal avenida é coalhada de postes, que correm paralelos nos dois lados do logradouro, a intervalos irregulares, conduzindo uma gambiarra de fios ao longo da via. Finos e grossos, plantados a prumo ou curvados sob o peso da excessiva fiação, comem o espaço reduzido das calçadas e poluem a paisagem. Fazem da Governador Celso Ramos um “paliteiro”, como já se ouviu dizer.

Como alternativa, a municipalidade aplica-lhes de quando em quando uma demão de tinta branca, sem que isso solucione o problema — já que, de fato, solução não há. Ou há? Zico acha que sim. Ele é o sujeito que, nas últimas semanas, deixou alguns postes da cidade um pouco mais bonitos e alegres.

SINALIZAÇÃO PRECISA

Geverson Azevedo — que ninguém conhece pelo nome de batismo; para todo mundo, ele é o Zico — tem 50 anos de idade e nasceu em Xanxerê. Como cresceu em Carazinho, no Rio Grande do Sul, considera-se mais gaúcho que catarina. Está em Porto Belo há doze anos. Cartazista de profissão e fanático por kombis (tem uma modelo 1986 e uma 1987, além de um montão de miniaturas e objetos decorativos relacionados à perua da Volks), ele mora na Enseada Encantada, naquele vale ao pé do morro de Bombas, entre o acesso ao Araçá e a subida do asfalto em direção a Bombinhas.

Não é exatamente um lugar fácil de achar: uma estrada de chão à margem da rodovia indica o início da Servidão Lúcio Basílio, quase ao fim da qual o desenhista autônomo mora. Como dava trabalho explicar isso tudo ao atendente da pizzaria, Zico tratou de providenciar uma sinalização mais precisa: pegou sua caixa de tintas e pintou o poste defronte à servidão com uma paisagem marinha de cartum. Dias depois, decorou o poste de sua casa com kombis coloridas: “Ficou bem fácil das pessoas me acharem”, garante.

Zico Azevedo posa ao lado de sua obra: “Ficou bem fácil das pessoas me acharem” (foto: Reprodução/Facebook)

Entre um poste e outro, Zico divulgou o trabalho em sua página no Facebook e as fotos chamaram a atenção. Pessoas elogiaram a iniciativa e o artista, que ganha a vida instalando letreiros em alto-relevo no comércio da cidade, viu um mercado se abrir. Obteve uma encomenda para ilustrar outro poste a um quilômetro e meio de casa e mais pedidos começaram a surgir. O mais importante deles, proveniente da Prefeitura.

CORES PELA CIDADE

A indicação veio da Fundação de Turismo e uma conversa com o Prefeito deve ser agendada para breve. Se tudo correr conforme Zico espera, é provável que os postes da cidade, gradativamente, percam um pouco do cinza: “O pessoal vai começar a ver mais cores nesta cidade”, antecipa o pintor, que credita a repercussão da sua iniciativa ao fato de que há uma demanda por ações positivas: “O pessoal só tem notícia ruim”, avalia.

A ideia é replicar o tema marinho em outros lugares, pois é o que mais condiz com a paisagem, na opinião do idealizador: “Tem que ter cuidado para não poluir. Tem que estar em harmonia com a cidade”. Sua vontade, entretanto, é extrapolar as colunas de concreto da Celesc, levando cores também a paredes e muros. Só que em estilo grafite.

“Seria um golaço [em termos de mídia]”, acredita Zico, que vislumbra a possibilidade de realizar oficinas de grafite nas escolas, a exemplo do que já fez na cidade gaúcha onde se criou: “Quem sabe dali nasce novos artistas”.

Encomenda: comerciante gostou e contratou Zico para repetir a arte

NOVO LAR NO “GOOGLE”

Casado e pai de três filhos, Geverson Azevedo morou um ano em Florianópolis antes de se mudar para Porto Belo. Voltou ao Rio Grande do Sul por um curto período, só o tempo de perceber que ele e a esposa, Adriana, de 40 anos, queriam mesmo era viver em Santa Catarina.

Uma busca no Google decidiu o novo destino. Porto Belo, sinalizado em links no motor de busca, parecia promissor. Além disso, havia na cidade uma filial da rede de supermercados onde Zico trabalhou em sua temporada na capital catarinense. Decidiu ligar para o proprietário da rede, que garantiu-lhe o emprego.

Zico e sua área cheia de quinquilharias: paixão por kombis

Quando chegou à cidade, contudo, a vaga de cartazista já estava preenchida. Mesmo assim, o dono bancou o recém-chegado e a unidade dos Supermercados Xande em Porto Belo passou a contar com dois cartazistas em tempo integral.

Após morar alguns meses em imóvel alugado, Zico vendeu sua casa em Xanxerê e adquiriu a atual propriedade na Enseada Encantada, que no princípio resumia-se a um chalé de madeira de 4×4 metros e muito mato em volta. Hoje em dia, é seu lar e estúdio, além do lugar onde exercita sua mania de colecionar quinquilharias, especialmente aquelas relacionadas a kombis.

Aliás, Zico é presidente do grupo de aficionados Família na Volks, que tem pouco mais de um ano. Em dezembro de 2018, o fã-clube promoveu um encontro de carros antigos na praça da cidade. Ele também é um adepto do pinstriping, técnica que consiste em fazer desenhos elaborados na lataria de carros e motos. Apenas outra pessoa no Estado domina a técnica, segundo ele.

A renda, porém, vem mesmo dos cartazes de promoções que desenha e dos letreiros para o comércio que compõe. Se a proposta de decorar os postes vingar, Zico estima um volume de trabalho excepcional. “Sem querer, tu dá uma picaretada e acha um filão”, comenta o artista, ansioso pelo bip no WhatsApp que indicará o momento de tirar todo esse ouro da terra (melhor dizendo, dos postes).