Em um raro retângulo de terra no meio do apinhado e caótico cemitério de Porto Belo, enquanto Betinho profere uma emocionada elegia para o Vadico, que espera em seu caixão que o deitem ao fundo da cova aberta, o orador exaltando o “espírito tropeiro” do Vadico, e uma sequência de rostos iguais ao dele, mas em idades diferentes (seus irmãos), ouvem graves essas palavras, passa-me pela cabeça, quente ao sol desta manhã de sábado, um pensamento esquisito: “Vadico bebia sangue”.
Era o que eu ouvia quando criança, na época em que o Vadico realmente se imbuía do “espírito tropeiro” do qual falava o Betinho. Naquele tempo, quando trabalhava no matadouro do seu Valter e exibia um físico robusto, diziam que ele, ao abater os animais que seriam vendidos no açougue do patrão, costumava sangrar os bichos e tomar, de um gole só, um copo do sangue ainda quente dos animais. Devia a isso a sua boa compleição.
Muito se passou e o Vadico que vi caminhando pela última vez, com uma espécie de sobretudo, chapéu de caubói (lembrei-me do seu Amarando) e botas de sete-léguas, era um fiapo do sujeito forte que havia sido um dia. Culpa de outros tipos de beberagem.
Mas, ali no cemitério, lembrei-me de outro episódio, uma conversa surreal que uma vez ele teve com meu pai. Caminhavam os dois pela rua quando, alguns metros mais à frente na estrada de barro, caminhava sossegadamente um gato (seria um cachorro? Não recordo exatamente qual era o bicho, mas isso não importa). Sem dizer palavra, o Vadico inclinou-se para pegar uma pedra, se ergueu, olhou para o meu pai e perguntou, cerimonioso:
– Tio, mato?
E o meu pai, igualmente sério:
– Mata.
Não me consta que tenha matado, mas eu e o Arão sempre damos boas risadas relembrando o inusitado diálogo.
Foi-se o Vadico, que eu achava uma versão batida pela intempérie do ator norte-americano Willem Dafoe, e uma parte do Porto Belo que ele viveu vai-se junto. Uma época de “aventuras”, conforme sublinhou Betinho: aquela que nos dava como quintal de casa todo o espaço onde os pés descalços conseguiam levar. De boi no mato, banho de mar no Barão, goiaba no pé e pelada no Baixio nas manhãs de sábado.
Vadico, como todos nós, tinha os seus defeitos. Não era, claro, um herói de filme de Hollywood. Mas, lembrou a minha mãe, tinha um coração enorme. Foi justo que lhe tenham honrado com um belo discurso.
Mano Dadam
Maravilha.
Saudações mestre Vadico.
Adorava quando ele se gabava dizendo que só ele lançava a bola perfeita no meu peito em lançamentos lá da intermediária, eu só me dava o trabalho de dominar no peito e tirar do goleiro.
Onde normalmente entrava com bola dentro do gol e lá no meio campo quase na cabeça da área estava o Vadico sorrindo e vibrando com mais um gol do maníaco. Após seu lançamento perfeito.
Vai com Deus primo.
Aqui quem escreve é má ninho (mano dadam) fã eterno do Vadico.
Vado Di Pietro
EXCELENTE TEXTO, DIL.
ABRAÇO, VADO