Se em 2005 os cardumes passaram longe da costa bombinense, preferindo as malhas em alto-mar da frota industrial, neste ano de 2006 a temporada de pesca de tainhas começou cedo e foi, nos primeiros dias, marcada por surpreendente abundância. Maio, um mês desfavorável a esse tipo de pesca por ser normalmente quente, trouxe frio e muito peixe para os costões e praias do município. A comunidade fartou-se de tainhas e os turistas ocasionais divertiram-se acompanhando os nativos nos arrastões, molhando as canelas na beira d’água e emprestando braços para facilitar a tarefa de puxar as redes para terra. Dentro delas, centenas de corpos frenéticos tingiram a praia de prata nesse maio atípico, de safra recorde. Mas, em junho, o ímpeto diminuiu.
Talvez porque o calor tenha finalmente chegado. O feriado de Corpus Christi, dia 15, uma quinta-feira, amanheceu sob um teto azul manchado por poucas nuvens. Com o clima agradável, a praia de Bombas virou espaço “fitness”: pessoas de idades diversas, sós ou acompanhadas, fazem alongamento, correm ou caminham na extensa faixa de areia firme. São casais com filhos, namorados e amigos que, pelas roupas e fisionomias, facilmente se identifica como “gente de fora”.
Mas há os pescadores também. Estão por ali, em pequenos grupos, conversando e vigiando. O sinal mais evidente dessa presença, entretanto, está nas canoas. Compridas embarcações nascidas cada qual de um único tronco de árvore, descansando sobre escoras de madeira (as estivas), aos pares, dispostas a intervalos ao longo da orla. Uma trilha de estivas na areia mostra o caminho que elas fizeram desde o barracão até o meio da praia. Recheadas com metros e metros de redes, os remos enormes, esperam o momento de descarregar o fardo de boias, chumbadas, cordas e fiadas na água. Diante da falta de trabalho, ficam a postos, aguardando.
Nesta manhã de sol, pouco há para fazer além de esperar, vigiar o mar, igualmente quieto, ou espiar as meninas que desfilam de biquíni de um lado para outro, próximas da linha d’água. Na varanda vazia de um restaurante que só abre na temporada, dois rapazes consertam buracos na sua rede. Mais adiante, no “Rancho do Pequeno”, quatro pescadores resolveram passar o tempo jogando dominó numa mesa na varanda. Outros, dentro do boteco, assistem pela televisão a mais um jogo da Copa da Alemanha de futebol.
– Essa temporada, mataram umas dez mil tainhas em Bombas – informa um jovem alto, de cabelo e barba crespos, que antes de o repórter abrir a boca já o identifica pela ascendência paterna (passaporte infalível nessa comunidade onde não se é conhecido pelo nome, mas como sendo “filho do fulano” ou “da fulana”). Ele caminha ao lado de um companheiro mais velho, baixo e calado, os dois apressados pela proximidade da hora do almoço (são quase onze horas). As dez mil tainhas foram capturas em maio, ele confirma. Neste mês, apanharam até aqui apenas quarenta ou cinquenta delas. O calor não ajuda, o pescador concorda, mas indica que há cardume por perto:
– O peixe tá no costão – diz, referindo-se ao aglomerado de pedras à esquerda da praia. Todos vigiam atentamente o local. O problema é que os peixes teimam em ficar por lá.
(*) Este texto foi escrito originalmente em 2006, para a sequência do livro Contam os Antigos… História e Lendas de Bombinhas (2005), cuja publicação (da segunda parte), ainda está repousando na gaveta.
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