Cerco se fecha sobre o utensílio de plástico. Na ilha de PB, o combate a esse inimigo já é regra desde 2016
A noite de sexta-feira chega sem que ninguém queira requentar comida para o jantar. Cecília, então, propõe a solução: “Comer um hambúrguer na Bel!”. Como manda quem pode, obedece quem tem juízo, partimos a família toda até a Bodega do Porto, encontrando-a ainda em início de expediente. Cumprimento o Carlos à boca da chapa, a Isabel com seu bloquinho de notas, e sigo para a geladeira à esquerda do balcão (o casal vende bebidas em regime de self-service). Depois de garantir a cerveja para a gente e os refrigerantes para dona Eli e Cissa, vou até o balcão buscar os copos. Levo a mão até o suporte onde estão os canudinhos de plástico para os refris quando ouço a Bete protestar: “Canudo não, né!”.
O episódio, trivial, demonstra como os canudos de plástico caíram em desgraça. Assim como as sacolas de supermercado, foram alçados à condição de inimigo público número um do meio ambiente — em especial, da fauna marinha. Uma má fama que começou a ser construída em 2015, com a divulgação na internet de um vídeo em que biólogos suam para extrair um canudo de dentro da narina de uma tartaruga marinha.
A dolorosa operação causou consternação mundial, o que fez com que se puxasse a ficha corrida do aparentemente insignificante objeto.
MICROPLÁSTICO
Soube-se, assim, que o canudinho de plástico é imune ao reaproveitamento. Por ser muito leve, escapa aos separadores manuais de material reciclável. O único destino possível, portanto, são os aterros sanitários, córregos e rios. Sua leveza também o habilita a chegar com facilidade aos oceanos. Para piorar, não se decompõe, mas fragmenta-se, assumindo a forma de microplástico, que os animais marinhos confundem com petisco.
Segundo apurou a reportagem da National Geographic, só no Reino Unido são descartados 4,4 bilhões de unidades todo ano. Nos Estados Unidos, 500 milhões são jogados fora num único dia, segundo noticiou a Veja em edição de fevereiro de 2018.
E onde tudo isso vai parar? A ONG Ocean Conservancy informou à BBC que o canudo foi o sétimo item mais retirado do mar, no mundo todo, em 2017.
Resumo da ópera: começou uma caçada mundial ao canudinho de plástico. O Brasil, felizmente, não ficou de fora. Em julho do ano passado, o Rio de Janeiro se tornou a primeira capital do País a proibir o uso do material em quiosques, bares e restaurantes. Uma multa de R$ 3 mil vai morder o bolso de quem descumprir a lei, sancionada em 5/07. Em São Paulo, projeto de lei similar está na mesa do prefeito tucano Bruno Covas, à espera de uma canetada. Fortaleza, Salvador e Porto Alegre também entraram na dança.
Aqui no Estado, tivemos a adesão de Balneário Camboriú. Na terça-feira da outra semana (12), a Câmara de Vereadores aprovou um projeto de lei substitutivo que prevê a proibição do uso e fornecimento de canudinhos nos estabelecimentos que lidam com alimentos e pelos vendedores ambulantes do município. O projeto também aguarda a sanção do prefeito (no caso, Fabrício Oliveira, do PSB).
Em São Francisco do Sul, canudo só de papel biodegradável.
Vale dizer, entretanto, que antes desse movimento nacional se intensificar, já tínhamos um pioneiro na criminalização do canudinho. E bem aqui, distante uns sete minutos de barco do Píer Municipal.
ILHA DE PORTO BELO
A Ilha de Porto Belo começou a dar um passa-fora nos canudinhos em outubro de 2015. Na ocasião, Alexandre Stodieck, o administrador do empreendimento, trocou algumas ideias com o capitão Charles Moore, oceanógrafo norte-americano responsável por descobrir o Lixão do Pacífico, uma ilha de rejeitos quase do tamanho do Pantanal boiando a 1,6 mil quilômetros da costa entre a Califórnia e o Havaí.
Moore veio a Porto Belo para a Semana Lixo Zero, uma iniciativa que mobiliza anualmente diversas cidades do Brasil e do Uruguai. Na oportunidade, ele visitou o Caixa D’Aço, a Ponta do Araçá, a praia do Centro e também a ilha de Porto Belo. Stodieck ficou impressionado com as informações que o ambientalista trouxe sobre a situação do lixo nos oceanos e não perdeu tempo. Já na temporada 16/17, riscou os canudos de plástico do seu mapa.
Foi uma ação radical. Além de cortar o fornecimento, sempre que o pessoal de apoio e atendimento via alguém infringindo a regra, era autorizado a subtrair o material. Segundo Arão Mafra Filho, responsável pelo gerenciamento do local, ainda existem concessões (uso de canudos em determinados drinques), mas a meta a curto prazo é erradicar totalmente o utensílio.
OUTRAS AÇÕES
A cruzada contra o canudinho não é a única ação da Ilha em favor da conscientização e conservação ambiental. Nem a primeira.
No já distante 2002, a atração turística baniu de sua praia as garrafas de vidro. Em 2016, orientou os operadores dos “navios piratas” a evitarem brincadeiras com balões — que inevitavelmente acabavam no mar.
No final de 2017, lançou a campanha “Ilha sem Bituca”, visando coibir o péssimo hábito dos fumantes de largar bitucas na areia da praia. Espalhou recipientes (chamados “bituqueiras”) por sua orla e recolhe a todo momento os filtros de cigarro jogados no chão pelos menos colaborativos. A Ilha, a propósito, não vende cigarros desde 2007.
Nesta temporada, foi a vez dos copos descartáveis saírem de cena. No ano passado, foram usados 99.500 unidades. Este ano, foram substituídos por unidades recicláveis ou retornáveis. Estas últimas podem ser adquiridas pelos turistas ou devolvidas: o cidadão paga R$ 5 a título de caução; se não quiser o copo, basta devolvê-lo e recuperar a grana. A maioria prefere o souvenir: “Tem tido uma aceitação bem grande”, informa Douglas Pasqueta, biólogo e guia da trilha ecológica da Ilha.
Some-se a isso uma extensa rede de lixeiras ecológicas e placas de sinalização e temos uma dimensão da obsessão que o atrativo demonstra em relação à destinação correta de seus rejeitos. A direção até montou uma central de triagem para separar o material recolhido, que posteriormente é entregue à empresa que realiza a coleta seletiva no município. Ações assim têm diminuído substancialmente o volume de lixo que é despachado para o aterro sanitário, explica o gerente do empreendimento.
Até mesmo durante o trânsito da equipe desde o trapiche no molhe do rio até a ilha essa filosofia prevalece. O “Caramuru”, embarcação que faz o leva e traz do pessoal, é munido de um “sarico” para pescar sacolas que aparecem boiando no caminho. Ou seja, “é uma coisa de convicção mesmo”, conforme ressalta Arão.
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