O pessoal que caminha ou corre ao longo da via asfaltada que conduz ao Araçá nem precisa usar o olfato para perceber que há algo de podre naqueles três quilômetros e pouco de trajeto costeiro. Basta uma olhada simples para constatar que o percurso está se tornando um verdadeiro lixão.
Não se dá cinco passos sem que se veja no acostamento uma lata de cerveja, uma garrafa plástica ou outra porcaria largada em meio ao mato rasteiro. A quantidade de lixo é impressionante.
Um pouco mais à frente, o descaso não apenas impressiona, mas revolta. Próximo ao Araújo, rolando pela encosta, temos um lixão na pior acepção da palavra. Metros de redes de pesca, móveis velhos e outros objetos são jogados ali sem a menor cerimônia.
Umas duas curvas de morro adiante e temos o segundo “aterro sanitário”, um terreno baldio à margem da estrada que serve para que moradores do bairro descartem todo tipo de quinquilharia. O item mais absurdo se encontra dentro de uma caixa de Sedex: uma coleção de moldes de dentaduras, “encomenda” que os proprietários de uma clínica do Centro acharam bastante normal despachar naquele lugar. O endereço do “remetente” está na caixa para qualquer um ver.
Acho que não é preciso nenhum exercício complicado de futurologia para imaginar o que vai acontecer com toda essa área se os abusos continuarem a ocorrer e não houver uma ação efetiva tanto para prevenir quanto para recuperar essa que é uma das belas paisagens do município.
Penso que algumas medidas são fundamentais, a começar por uma ação nas escolas do bairro visando conscientizar os menores e evitar que sigam o mau exemplo dos mais velhos. Quem sabe um mutirão de limpeza envolvendo alunos e com o suporte necessário do poder público?
Acredito também que seria interessante instalar algumas dezenas de lixeiras ao longo do trajeto, como lembrança para aqueles que viveram a última década em Marte e não ouviram ainda falar de consciência ambiental que atirar coisas pela janela do carro não demonstra apenas má educação; é um sinal de falta de civilidade e de respeito para com os outros.
Por fim, é preciso estabelecer sanções a quem pratica esse crime. Nada estimula mais o abandono dos vícios que uma bela espetada no bolso. Claro que se trata de uma medida antipática, que impacta as bases, coisa que nenhum legislador gosta de comprometer, embora seja seu dever. Porém, mesmo que não se concorde com os métodos, uma coisa é certa: não é possível que o problema continue a agravar debaixo dos narizes de todos sem que nenhuma medida seja tomada. Como está, os únicos visitantes que se comprazem da vista são mesmo os urubus…
Na abertura do Campeonato Municipal de Futsal, nesta segunda (28), no ginásio do Colégio Tiradentes, o secretário de Esportes Osvaldo di Pietro fez um comentário em tom de brincadeira. Referindo-se ao Candôco (sempre ele), Vadão falou: “Na próxima vez, a gente vai fazer uma abertura no teto do ginásio, para o caso de passar algum avião”. E arrematou: “Algumas pessoas aqui vão entender”.
Quem já jogou no Cervejas ou se reuniu com o pessoal do time após algum jogo lá no Bar do Calinho, certamente já ouviu do Candôco (umas vinte vezes) a história do avião. Para os que não conhecem, eu vou contar.
Tudo começou no Maré Mansa. Ou melhor, antes. Era o ano de 1993 e nossa turma estava readquirindo o interesse pelo futebol. E isso de um modo um tanto canhestro: se não me engano, um sobrinho meu havia ganhado uma bola de presente e resolvemos fazer “usucapião” dela, promovendo rodas de toque ou de bobinho com cervejas na mão.
Veio o verão de 1994, ano de Copa, estava saindo a segunda edição do Campeonato de Futebol de Areia (nada de Beach Soccer ainda) e resolvemos, ali na “redação” do Maré Mansa, inscrever um “anti-time” para participar: o Maré Mansa, depois Cervejas.
PERNAS DE PAU
Começamos elegendo o goleiro. Teria que ser o Candôco. Na época, ele morava em Floripa e desde moleque, quando ganhou uma camisa laranja como a do Raul Plassmann, levava jeito para a coisa. Para vestir a dez e comandar o escrete, o Mirinho, que tinha talento. O resto…
Fechamos a conta com uma cambada de pernas-de-pau sem conserto. O resultado da estreia fala por si: 12×0 para o Futebol do Porto – embora o do segundo jogo tenha sido “só” de 6×0. Mas isso tem explicação: na primeira rodada, a área de jogo foi montada próxima da água. O piso era firme e favorecia o toque de bola. Só que a maré subia e lá se ia o futebol. Então, na segunda rodada, o quadrilátero do jogo subiu para a parte distante da água, porém de areia mais fofa, que, todo mundo sabe, dificulta o jogo.
Todo esse preâmbulo para falar do avião…
Aconteceu no jogo contra o time do Besc. Ocorreu uma falta contra nossa equipe e o Candôco armou a barreira, e escolheu o canto oposto a esta para se posicionar. Zezeca estava a postos para fazer a cobrança quando uma aeronave cruzou baixo o céu, tirando completamente a atenção do nosso goleiro – fissurado em aviões, ele havia se alistado na Base Aérea em Florianópolis com a esperança de voar num deles.
O juiz apitou a falta, mas o Candôco ainda estava sob efeito da surpresa. Só voltou a si quando o pessoal do adversário saiu comemorando o gol mais fácil que jamais haviam feito e toda a torcida em volta rachava o bico de tanto rir.
O Arão eternizou o lance com o seu traço brilhante (abaixo). E aqui temos uma versão da história, escrita pelo Vadão.
Todo mundo já ouviu falar em air guitar, aquela brincadeira em que o sujeito simula estar esmerilhando uma guitarra imaginária. Tem até concurso para ver quem tira o melhor “solo” do instrumento fantasma…
Agora, o que você não deve jamais ter ouvido falar é da “air knife”. Acontece que o precursor dessa engenhosa variação foi o Ari – ou Ti, para quem prefere. Pois antes de conduzir uma bem-sucedida carreira no ramo imobiliário, o Ti mostrou habilidade no trato com facas… de mentira.
Melhor explicar esse negócio. A coisa toda ocorreu lá por 1994, 1995, época em que Porto Belo vivia seu apogeu de atividades culturais destinadas ao grande público. Época também do Palco das Artes, que traria à cidade a primeira leva de nomes famosos da música.
Mas, naquele verão, era o belo palco instalado em frente ao que hoje é a cantina do Betão, competente técnico do Tatuíra FC, que fazia a alegria da moçada.
Musicalmente também foi um período memorável: naqueles dias, o que muita gente ouvia era o Álbum Preto do Metallica, o Nevermind do Nirvana, e outras coisas do gênero. E havia o reggae também…
Sendo assim, a rapaziada comparecia aos shows que ocorriam naquele palco quase diariamente e infernizada os músicos com pedidos de Enter Sandman, Orgasmatron etc. Quando esses acediam, era um deus-nos-acuda. Mas tudo dentro de relativa normalidade.
Menos quando apareciam os rapazes da Meia Praia.
Inimigos jurados da molecada daqui, a presença deles em Porto Belo (e vice-versa) era sinônimo de encrenca. E nós estávamos lá na frente do palco, animados, quando o Ti avistou um desses caras numa noite qualquer.
Sua reação foi imediata: se dirigiu até onde o cara estava, meteu a mão direita na cintura e puxou num raio alguma coisa que saiu brandindo diante das fuças atônitas do rapaz. E como ele estivesse acompanhado de mais um ou dois, o Ari estabeleceu um perímetro em volta de si girando o braço adiante como se fosse um perigoso espadachim.
Não demorou para a coisa virar um pandemônio, todo mundo saiu correndo, gritando: Faca! Faca! A área diante do palco virou logo um deserto e, sem entender nada, perguntei: – Ô Ari, que é deu?
– Nada, cara! Só fingi que tava com uma faca pra dar um susto naqueles caras.
A essas alturas, o papa Francisco está circulando pelas ruas do Rio de Janeiro, a repetir a rotina de outros pontífices antes dele, que no Brasil também estiveram. Um dos quais, o popular João Paulo II, tinha por hábito beijar o solo do país em visita assim que descia do avião – não sei se compartilhado pelo atual ocupante do Trono de São Pedro.
Mas o que essa atual visita me faz lembrar mesmo é que, durante a passagem de João Paulo II por Florianópolis, em outubro de 1991, um velho conhecido nosso havia sido destacado para compor o contingente responsável por garantir a segurança papal durante a visita. Ele, porém, rejeitou a honra, preferindo correr para Porto Belo.
Candôco sempre fora fanático por aviões. Por isso, decidiu servir à Aeronáutica. E não se deteve diante da recusa do médico responsável pela seleção, que por fim o orientou a arranjar uma “chapa” de pulmão de outra pessoa para substituir a sua, que apresentava uma mancha que o desqualificava para a vida em caserna.
Pois bem, Candôco serviu durante um ano na Base Aérea de Florianópolis. E era de se esperar que a rígida rotina militar incutisse alguma disciplina no rapaz. Aconteceu justamente o contrário.
Quando foi designado a servir no cassino dos oficiais, Candôco se especializou em aplicar pequenos golpes: tomava cervejas à vontade e as debitava na conta dos tenentes aviadores que frequentavam o local. E tudo ia bem até que ele “engordou” a dívida de um cliente que sequer bebia. Quando o homem, desconfiado, o questionou a respeito, Candôco saiu-se bem:
– Foram os seus amigos que mandaram colocar na conta do senhor. Como eles são meus superiores, não pude questionar!
E foi com igual desfaçatez que o Candôco, que havia sido designado junto com todo o pessoal da base para ajudar a manter a segurança durante a visita do Papa, resolveu dar o cano. Pegou o primeiro ônibus que pôde e se mandou para Porto Belo, para tomar umas com os amigos, naquele final de semana em que o Estado inteiro se enlevava com a presença por aqui de João Paulo II.
Candôco, todos sabem, não é exatamente um homem de fé…
Entre todas as coisas legais do período, o verão nos traz mais uma edição do campeonato municipal de futebol de areia. É hora de quebrar a cabeça para montar o Cervejas – que, aliás, está se aproximando do seu vigésimo aniversário.
E é tempo de relembrar lances memoráveis vividos por esse time querido. Hoje, a lembrança que me fez escrever este texto foi a de um jogaço do campeonato de 1997. Primeiro ano em que o Luciano Kruscinscky jogou com a gente.
Em boa companhia: Lu (o careca), com o Xande em primeiro plano, Candôco atrás deste, Dida à esq., e no fundo Cezinha, Alex e Maninho (foto: Arquivo Cervejas)
Era o primeiro jogo eliminatório do campeonato. Contra o Tubarões. O time era uma reunião dos craques da praia (alguns diriam “panelinha”) e o Cervejas era… bem, o Cervejas era o Cervejas. Havia feito estrago no campeonato, é verdade, mas chegava absolutamente azarão ao jogo.
Logo no comecinho, o Lu sobe e acerta uma cabeçada fulminante. Golaço! Na comemoração, corre feito um possesso, gritando palavrões para a torcida em delírio. E nós todos absolutamente pasmos – não com os palavrões, mas com o gol.
Logo na sequência, o Lu vira sobre o zagueiro e acerta um míssil. A bola deve ter fumegado os dedos do Nestor, o goleiro adversário. Dois a zero e êxtase absoluto na praia!
Mas como segurar um placar assim contra uma “seleção”? Logo no começo da segunda etapa, na saída de bola, Luiz Fernando (creio que foi ele) acerta um chutaço e diminui (o Candôco tem uma teoria de que eu me desviei da bola e matei sua chance de defesa, mas a explicação é completamente absurda, melhor deixar pra lá).
Não me recordo como foi o gol de empate (se alguém souber, me ajude), mas o jogo foi uma batalha até o final. Tubarões jogava pela igualdade e seguiu adiante, mas com o orgulho bastante avariado, não tenho dúvida.
O resultado do jogo clássico, no traço do próprio Lu, com uma participação do Arão
Quando o Lu decidiu deixar o time (queria ganhar títulos, afinal), eu e o Candôco, dirigentes do time e donos do Pirão d’água, fizemos uma “reunião de negócios” com ele para dissuadi-lo da ideia. Acabou que ficamos até de madrugada comendo pizza, tomando cerveja e falando bobagens. E na noite seguinte haveria jogo, contra a Pioneira, acho – nenhum dos três conseguiu jogar nada e o Cervejas tomou uma surra.
Mas o Lu era uma figura. Muito tempo depois, ele virou uma espécie de personagem de Joseph Conrad: mergulhou no “coração das trevas” e ganhou o mundo, feito um pirata, ora aparecendo, ora sumindo, sempre na boemia. Há quem acredite que perdeu o juízo. Não que juízo fosse o forte dele, mas como jogava bola!
A última vez que joguei com ele, foi numa pelada de futsal, faz alguns anos. Continuava driblador e absolutamente fominha, como é característico de quase todo bom camisa 9.
Assim como o Lu, tanta gente já vestiu a camisa “encarnada” do Cervejas. Todos, aposto, têm uma lembrança boa desses tempos. Outros chegaram, bons amigos ficaram e o time permanece, engrossando sua enciclopédia de “causos”. Se você passar pelo bar do Calinho em noite de jogo, vai encontrar a turma por ali. Como sempre, comemorando…
Seu Izaltino (creio que seja assim mesmo, com “z”) é um senhor de uns oitenta anos de idade que mora sozinho aqui na vizinhança. Sozinho em termos: com ele vivem uma dezena de gatos, alguns cachorros e uns dois coelhos.
De temperamento quieto, seu Izaltino só se exalta nas vezes em que toma uns aperitivos a mais. Ou nos domingos pela manhã, quando costuma acordar a vizinhança com o rádio no volume máximo, sintonizado em modas de viola.
Se bem que isso é passado. Faz tempo que ele tem cultivado um silêncio de recluso. O que está evidente no seu Izaltino é a saúde debilitada, basta olhar seus pés inchados, de um tom arroxeado característico da má-circulação, e o andar vacilante.
O que não o impede de ser ativo. Nem de cumprir uma tradição pessoal: todo ano, nesta época, seu Izaltino monta um pequeno presépio em frente de casa.
Este ano houve uma ligeira mudança, porém. Ao invés das figuras tradicionais de Maria, José e do Menino-Deus que esse senhor confeccionava, resolveu adquirir alguns animaizinhos de plástico no “R$ 1,99” ali do centro e com eles decorou a sua árvore de Natal.
Uma vez perguntamos a ele dessa sua mania de construir presépios. De baixo do bigode branco do seu Izaltino abriu-se um sorriso infantil que explicou mais do que as palavras. Creio que isso seja o que muitos chamam por aí de “espírito de Natal”…
Tem um filme de 1979 que virou “cult” chamado Rock’n’roll High School, no qual os Ramones aparecem tanto compondo a trilha sonora quanto atuando, como eles mesmo, no filme, que ao final mostra os alunos detonando, literalmente, a Vince Lombardi High School. Rebeldia absoluta.
Episódio de rebeldia ocorreu certa vez no Tiradentes. Curioso que foi num momento em que os alunos, pais e professores experimentaram um raro momento de exercício democrático. Foi quando escolhemos, pelo voto, o nosso diretor. E o nome que escolhemos foi o do professor Osvaldo Eduardo di Pietro, o Vadão.
Porém, as coisas não caminharam bem para ele na nova função. Logo, estávamos suspeitando de que havia algum conluio secreto para atrapalhar a vida do Vadão. Alguns de nós, então, resolvemos protestar. E o recurso que usamos foi a anarquia.
Não demorou para haver bombinhas estourando nas lixeiras do colégio. Numa tentativa mais grave de terrorismo, tentamos mandar pelos ares a privada do banheiro dos meninos.
O Vadão, obviamente, não ficou contente com essa bizarra manifestação de apoio. Tampouco isso ajudou na sua causa, antes pelo contrário. Fato foi que, ao final, o Vadão deixou precocemente o cargo.
Lamentamos porque o Vadão a gente conhecia, e respeitava, desde a época em que ele tinha barba. Sim, a barba era uma marca registrada, assim como o bigodão que ele ostenta até hoje. Lembro-me do susto quando o vimos pela primeira vez sem ela – parece que sacrificou a barba por uma aposta perdida.
O Vadão também estava lá num período mágico na infância da minha turma, quando reuniu todo mundo num time de futebol. Nos finais de tarde, a rapaziada se juntava no Tiradentes para aprender a jogar bola (não aprendi, infelizmente). A jornada rendeu uma inesquecível partida lá no Matadouro, em Itajaí, quando promovemos um gato: naquele jogo, o Ednei virou o Isaías.
[Bem depois disso o Vadão foi treinador do Cervejas, mas nem ele podia fazer aquele time, que tem compulsão por perder, ganhar um título… Também não o mandamos embora, foram as circunstâncias que afastaram a ambos.]
Mais tarde, quando decidimos fundar o Pirão d’água, recorremos ao Vadão para nos ajudar, pois ele era jornalista formado e podia ser responsável pelos desatinos que cometíamos nos primeiros meses do jornal. E ele, generosamente, aceitou. Mas aí havia eleições à frente, o Vadão estava no páreo, e tivemos que declinar da preciosa ajuda. Mas ele não deixou de colaborar com o jornal, assumindo a “editoria” de esportes durante quase todo o tempo em que o jornal existiu.
Depois o Vadão seguiu procurando colaborar com a causa pública, como vereador e também como secretário de Esportes. Deve ter visto quanto uma coisa e outra podem ser espinhosas. Largou disso, como também largou das aulas. Hoje, vive de alugar imóveis e de fazer a crônica da memória esportiva de Porto Belo. Sem abrir mão do seu papel de cidadão.
A última pessoa que viu o Miltinho foi o Evandro. Assim disseram. No Morro de Bombas, com as mãos nos bolsos. Mas deixem eu antes falar do Miltinho…
Minha lembrança mais nítida é dele sentado à frente da carteira de professor lá no Tiradentes. Uma blusa (suéter?) verde escuro com o jacarezinho da Lacoste bordado no lado esquerdo, as mãos espalmadas no tampo da carteira parecendo desproporcionais.
Milton foi um amigo da minha pequena turma de contabilidade, além de professor. Falava de filmes (mencionou um do Charles Bronson o qual nunca vi – Alguém atrás da porta) e soube serenar nossa perplexidade naquele ano em que o Collor havia ganhado a eleição. Apreciava falar de política e debatia com a gente sobre o futuro do país com otimismo.
A notícia de que havia escolhido ir-se antes do tempo foi um choque. Lembro bem daquela manhã, quando as notícias chegavam à rodoviária de Porto Belo, onde eu trabalhava, dando conta (e exagerando) dos detalhes de sua morte.
Foi naquela noite ou na seguinte que o Evandro perdeu o ônibus que levava o pessoal do Tiradentes que morava para lá do Morro de Bombas. A solução foi atravessar o morro a pé, sozinho e de noite. E foi o que ele fez, até que, no meio do caminho, algo iluminou um vulto que estava parado à frente – o farol de um carro em descida, talvez. Evandro viu então quem estava ali e desceu todo o caminho que fizera em disparada. Só parou, dizem, quando alcançou o Maria Mariá, onde alguns colegas ainda deviam estar jogando sinuca.
Sei que não faz o menor sentido, mas sempre que lembro do Milton essa história vem junto. Uma história que ele mesmo talvez achasse graça, não fosse ele próprio o protagonista. E tem outra:
No outro dia, alguns rapazes combinavam uma caçada no morro. Decidiram sair na madrugada seguinte, pelas cinco horas, mais ou menos:
– Então tá certo. Essa noite eu durmo na casa do Murilo e amanhã tu vai lá e encontra a gente. – No que o Vilsinho replicou: – Nada disso! Depois que viram o Miltinho no morro, com a mão no bolso?! Vocês é que vão lá me buscar!
O pessoal da minha geração (e das anteriores) deve ter, como eu, um sentimento de nostalgia com relação à praia do centro de Porto Belo.
Um par de décadas atrás, o trecho de areia entre o trapiche dos pescadores e aquele amontoado de pedras onde havia o marco da Marinha era o lugar preferido para o namoro dos casais.
Caminhar pela praia era o programa romântico daqueles dias (melhor, noites), assim como era comum o pessoal dar voltas por lá, se reunir. Quase um caminho obrigatório antes das saídas de fim de semana.
Lembro disso porque, no meio da semana, percorremos a praia do Centro eu e o Cezinha, nosso grande amigo baixista, em uma corrida noturna (corridas têm se tornado um exercício frequente e bem-vindo).
Constatamos como a praia está agradável, bem iluminada, o píer transformou o trapiche num local charmoso, atrativo. Porém, acho que ninguém em bom juízo se arriscaria a perambular pelo local à noite.
Sim, encontramos gente caminhando e uns garotos sentados numa mureta lá próximo do trapiche das escunas. Mas, fora os garotos, eram pessoas que talvez você preferisse evitar se estivesse sozinho…
Creio que a situação mudaria bastante se ocorresse por aqui o que acontece em Bombas, por exemplo, onde a praia é um espaço familiar, com gente praticando caminhadas, corridas, jogando aquele jogo com discos de madeira que lembra a bocha (se alguém souber o nome, por favor, me avise), entre outras atividades.
Será que o mesmo não poderia acontecer por aqui? Claro, se o Casarão estivesse operando durante a semana (ouvi boatos de que pensam em derrubá-lo, o que seria um crime – aliás, não seria uma ideia nova, já na época do Pirão enfrentamos essa possibilidade, mas é assunto para outro post) seria mais interessante circular por lá, mas creio que poderíamos, muito bem, aproveitar melhor esse espaço público, agora revitalizado, especialmente quando temos tão poucos locais de lazer.
Talvez pudesse haver um pouco mais de segurança e a praia do Centro voltasse a ser o ponto de encontro aprazível que um dia foi. Por que não, então, invadirmos a nossa própria praia?
No último post, conversávamos sobre música. Especificamente sobre o pessoal que fez ou faz a cena musical da cidade. Coincidência ou não, boa parte da turma que citei esteve reunida no Vila Nova para uma celebração surpresa pelo aniversário do Alex, na casa deste, na última terça-feira.
Coveiro, Cezinha, Jefinho, Maninho, o baterista de Itajaí Dunga… não faltou músico na festa (ninguém pensou em uma jam, infelizmente). Outros amigos do guitarrista apareceram e a noite seguiu descontraída.
Já escrevi aqui antes sobre o Alex. Mas gostaria de tirar da gaveta uma entrevista que fiz com ele em 2002, para a Univali. Tinha pensado em usá-la naquela primeira oportunidade, mas o texto foi ficando de lado. Trata-se de um perfil que fiz dele em novembro de 2002, para a Univali.
Perfis são uma das coisas mais legais que se pode fazer em jornalismo. Mas, embora escritos dentro das “técnicas da reportagem”, nem sempre se pode ter certeza de que o retrato ficou fiel ao retratado ou se apenas traduz a forma como a gente vê a pessoa. De qualquer modo, vale arriscar. Segue abaixo o texto:
Não seria muito exagero dizer que, no Brasil, existe um músico ou banda em cada esquina. Fica fácil perceber esta proporção, basta circular por qualquer canto, em qualquer lugar. Na noite, em bares ou boates, em pequenas reuniões de amigos, lá está o violão, ora tocado com talento, ora com mero esforço. Nas garagens os acordes distorcidos perturbam os vizinhos. A caminho do trabalho, alguém cantarola uma melodia.
A música faz parte da vida das pessoas. Cada canção já composta desperta algum sentimento no coração de alguém. Alguns, entretanto, sentem um apelo maior: já não lhes basta apenas ouvir as músicas preferidas, é necessário tocá-las, propor acordes novos, impor um estilo particular às composições, criar as próprias melodias, as próprias mensagens – criar um jeito particular de fazer música. Este impulso, em geral, traz consigo um sonho: o de fazer sucesso e viver da música.
Alex Sancho possui este sonho. Aos 28 anos, contabiliza dez como guitarrista. Atualmente toca na banda Uniclãs, de Porto Belo, no litoral norte do Estado. Prestes a ter nas mãos o primeiro registro em CD oficial da banda, Alex acredita que sua hora chegou.
A Uniclãs é formada por um grupo de amigos que em 2001 reuniu-se para desenvolver músicas próprias, apoiadas nas letras criadas por Nando Kruscinscky, vocalista da banda. O resultado foi tão bom que no mesmo ano o grupo já tocava em bares da cidade. A identificação dos jovens da região com o novo som foi imediata.
“A gente se chocou, a galera gostando e dando apoio. É até absurdo, porque tem aquela de que santo de casa não faz milagres”, comenta Alex.
No ano seguinte a banda lançou um CD demo, realizou um grande show e vendeu as mil cópias que havia produzido, chamando a atenção do promotor de eventos Juracy de Almeida, da Tâmisa Eventos. No início de novembro, começou a grande guinada.
Por conta de Juracy, a Uniclãs entrou no estúdio Schema 336, em São Paulo, para gravar seu primeiro trabalho profissional, a ser concluído no início de 2003.
A experiência em São Paulo ainda emociona Alex: “Foi um salto, tu ver um músico como o Oswaldinho do Acordeon, tocando ali do teu lado e gostando do teu som, é como um sonho”, empolga-se.
Além de Oswaldinho, outros músicos foram convocados para participar do trabalho do Uniclãs, cujo estilo é uma mistura vários ritmos, do baião ao reggae, com os arranjos marcantes da guitarra de Alex, o baixo de Cesinha, os violões e guitarra de André, a bateria de Guto e o vocal de Nando.
A boa fase da banda é, para Alex, o grande momento de uma trajetória de dificuldades. Canhoto, começou aos 15 anos a tocar violão, invertendo as cordas de um Tonante que comprou com seu primeiro salário como balconista em um bar da cidade. O instrumento ele mantém até hoje, ao lado de uma Washburn, uma Fernandes e uma Guilber, todas guitarras feitas para canhotos.
No começo, a idéia era tirar músicas do Legião Urbana, Titãs e Nenhum de Nós e fazer sucesso nas rodas de amigos e com as meninas. O temperamento tímido, entretanto, o levou ao isolamento. As lições de violão e guitarra passaram a preencher o vazio social na vida de Alex, que varava noites tocando no seu quarto. Tanta dedicação sedimentou uma técnica apurada e o músico passou a ser reconhecido na cidade como um grande talento. Ele, porém, demonstra modéstia: “Me considero, para o padrão da banda, um bom músico. Mas sei que preciso evoluir, tem sempre que buscar uma coisa nova”.
Assim como todos na Uniclãs, Alex não mantém outro emprego. Vive “cheio de altos e baixos”, tocando com a banda ou dando algumas aulas de violão e guitarra. “No inverno é mais complicado, tem mês que toca, tem mês que safa”, conta. Há seis meses conheceu Leydiane Reis Amaral, 20 anos, por quem se apaixonou e hoje vivem juntos, à espera do primeiro filho. “Agora aumenta a responsabilidade”, reconhece.
Ao mesmo tempo, com o casamento veio o apoio e a tranqüilidade para acreditar no sonho: “No começo pensei assim: ‘Se demorar a acontecer, ou não acontecer, vou ter que tomar uma decisão radical’. Mas pintou um lance maior na banda e é hora de apostar”.
Refletindo sobre sua trajetória e a importância da música em sua vida, Alex não vacila em concluir: “Foi fundamental, era o que mais me dava ânimo, em algumas épocas era no que eu mais me apoiava”. Hoje, o guitarrista visualiza a possibilidade de ouvir a Uniclãs tocando nas rádios, subindo em palcos do eixo Rio-São Paulo. Paralelamente, acalenta o sonho de gravar um trabalho instrumental, marcado pelas suas influências de jazz, rock e MPB.
O mais importante, avalia, é fazer daquilo que mais ama um meio de vida: “Agora se abriu um horizonte novo, a oportunidade de conhecer um monte de gente que só ouvia no CD e sendo respeitado por eles. Para o futuro espero que a gente possa estar ainda na música, evoluindo nela e vivendo com dignidade”, conclui.
Natural de Porto Belo (SC), Alcides Mafra começou sua trajetória no jornalismo em 1990, trabalhando como chargista e diagramador para jornais do litoral norte de Santa Catarina e Vale do Rio Tijucas. Em 1996, ajudou a fundar o jornal Pirão d’água, em Porto Belo, o qual editou durante cinco anos. Foi repórter das revistas Photos & Imagens e Photo Magazine e diretor de conteúdo do site iPhoto Channel. Trabalhou ainda como revisor e coordenador editorial da editora iPhoto. Formado em Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), é autor do livro Contam os Antigos… História e lendas de Bombinhas (editora Univali, 2006) e um dos autores do projeto de documentário audiovisual Retratos de Porto Belo, contemplado pelo edital de cultura do município de Porto Belo em 2016 e homenageado com Moção de Parabenização pela Câmara Municipal de Porto Belo em 2017.