Categoria: Cervejas

Foi por fascínio de avião…

Na abertura do Campeonato Municipal de Futsal, nesta segunda (28), no ginásio do Colégio Tiradentes, o secretário de Esportes Osvaldo di Pietro fez um comentário em tom de brincadeira. Referindo-se ao Candôco (sempre ele), Vadão falou: “Na próxima vez, a gente vai fazer uma abertura no teto do ginásio, para o caso de passar algum avião”. E arrematou: “Algumas pessoas aqui vão entender”.

Quem já jogou no Cervejas ou se reuniu com o pessoal do time após algum jogo lá no Bar do Calinho, certamente já ouviu do Candôco (umas vinte vezes) a história do avião. Para os que não conhecem, eu vou contar.

Tudo começou no Maré Mansa. Ou melhor, antes. Era o ano de 1993 e nossa turma estava readquirindo o interesse pelo futebol. E isso de um modo um tanto canhestro: se não me engano, um sobrinho meu havia ganhado uma bola de presente e resolvemos fazer “usucapião” dela, promovendo rodas de toque ou de bobinho com cervejas na mão.

Cervejas 1
Foto clássica do Cervejas, então Maré Mansa, em sua primeira jornada (12×0 para o adversário): da esq. p/ dir. em pé: Marlum, Chuck, Piva, Dil e Fidélis; agachados: Glauciano, Candôco, Márcio, Stefon e Luriê

Veio o verão de 1994, ano de Copa, estava saindo a segunda edição do Campeonato de Futebol de Areia (nada de Beach Soccer ainda) e resolvemos, ali na “redação” do Maré Mansa, inscrever um “anti-time” para participar: o Maré Mansa, depois Cervejas.

PERNAS DE PAU

Começamos elegendo o goleiro. Teria que ser o Candôco. Na época, ele morava em Floripa e desde moleque, quando ganhou uma camisa laranja como a do Raul Plassmann, levava jeito para a coisa. Para vestir a dez e comandar o escrete, o Mirinho, que tinha talento. O resto…

Fechamos a conta com uma cambada de pernas-de-pau sem conserto. O resultado da estreia fala por si: 12×0 para o Futebol do Porto – embora o do segundo jogo tenha sido “só” de 6×0. Mas isso tem explicação: na primeira rodada, a área de jogo foi montada próxima da água. O piso era firme e favorecia o toque de bola. Só que a maré subia e lá se ia o futebol. Então, na segunda rodada, o quadrilátero do jogo subiu para a parte distante da água, porém de areia mais fofa, que, todo mundo sabe, dificulta o jogo.

Todo esse preâmbulo para falar do avião…

Aconteceu no jogo contra o time do Besc. Ocorreu uma falta contra nossa equipe e o Candôco armou a barreira, e escolheu o canto oposto a esta para se posicionar. Zezeca estava a postos para fazer a cobrança quando uma aeronave cruzou baixo o céu, tirando completamente a atenção do nosso goleiro – fissurado em aviões, ele havia se alistado na Base Aérea em Florianópolis com a esperança de voar num deles.

O juiz apitou a falta, mas o Candôco ainda estava sob efeito da surpresa. Só voltou a si quando o pessoal do adversário saiu comemorando o gol mais fácil que jamais haviam feito e toda a torcida em volta rachava o bico de tanto rir.

O Arão eternizou o lance com o seu traço brilhante (abaixo). E aqui temos uma versão da história, escrita pelo Vadão.

candôco

Lu, o camisa 9

Entre todas as coisas legais do período, o verão nos traz mais uma edição do campeonato municipal de futebol de areia. É hora de quebrar a cabeça para montar o Cervejas – que, aliás, está se aproximando do seu vigésimo aniversário.

E é tempo de relembrar lances memoráveis vividos por esse time querido. Hoje, a lembrança que me fez escrever este texto foi a de um jogaço do campeonato de 1997. Primeiro ano em que o Luciano Kruscinscky jogou com a gente.

Em boa companhia: Lu (o careca), com o Xande em primeiro plano, Candôco atrás deste, Dida à esq., e no fundo Cezinha, Alex e Maninho

Em boa companhia: Lu (o careca), com o Xande em primeiro plano, Candôco atrás deste, Dida à esq., e no fundo Cezinha, Alex e Maninho (foto: Arquivo Cervejas)

Era o primeiro jogo eliminatório do campeonato. Contra o Tubarões. O time era uma reunião dos craques da praia (alguns diriam “panelinha”) e o Cervejas era… bem, o Cervejas era o Cervejas. Havia feito estrago no campeonato, é verdade, mas chegava absolutamente azarão ao jogo.

Logo no comecinho, o Lu sobe e acerta uma cabeçada fulminante. Golaço! Na comemoração, corre feito um possesso, gritando palavrões para a torcida em delírio. E nós todos absolutamente pasmos – não com os palavrões, mas com o gol.

Logo na sequência, o Lu vira sobre o zagueiro e acerta um míssil. A bola deve ter fumegado os dedos do Nestor, o goleiro adversário. Dois a zero e êxtase absoluto na praia!

Mas como segurar um placar assim contra uma “seleção”? Logo no começo da segunda etapa, na saída de bola, Luiz Fernando (creio que foi ele) acerta um chutaço e diminui (o Candôco tem uma teoria de que eu me desviei da bola e matei sua chance de defesa, mas a explicação é completamente absurda, melhor deixar pra lá).

Não me recordo como foi o gol de empate (se alguém souber, me ajude), mas o jogo foi uma batalha até o final. Tubarões jogava pela igualdade e seguiu adiante, mas com o orgulho bastante avariado, não tenho dúvida.

O resultado do jogo clássico, no traço do próprio Lu, com uma participação do Arão

O resultado do jogo clássico, no traço do próprio Lu, com uma participação do Arão

Quando o Lu decidiu deixar o time (queria ganhar títulos, afinal), eu e o Candôco, dirigentes do time e donos do Pirão d’água, fizemos uma “reunião de negócios” com ele para dissuadi-lo da ideia. Acabou que ficamos até de madrugada comendo pizza, tomando cerveja e falando bobagens. E na noite seguinte haveria jogo, contra a Pioneira, acho – nenhum dos três conseguiu jogar nada e o Cervejas tomou uma surra.

Mas o Lu era uma figura. Muito tempo depois, ele virou uma espécie de personagem de Joseph Conrad: mergulhou no “coração das trevas” e ganhou o mundo, feito um pirata, ora aparecendo, ora sumindo, sempre na boemia. Há quem acredite que perdeu o juízo. Não que juízo fosse o forte dele, mas como jogava bola!

A última vez que joguei com ele, foi numa pelada de futsal, faz alguns anos. Continuava driblador e absolutamente fominha, como é característico de quase todo bom camisa 9.

Assim como o Lu, tanta gente já vestiu a camisa “encarnada” do Cervejas. Todos, aposto, têm uma lembrança boa desses tempos. Outros chegaram, bons amigos ficaram e o time permanece, engrossando sua enciclopédia de “causos”. Se você passar pelo bar do Calinho em noite de jogo, vai encontrar a turma por ali. Como sempre, comemorando…

Seu Arão

Seu Arão e Carlinhos improvisando um som: “Eu já fiz quatro gols!”

Nestes tempos de jogadores de futebol mimados e técnicos sem pulso firme, vale se mirar no exemplo do seu Arão, o técnico que mais vezes comandou o Cervejas em seus quase vinte anos de existência.

Admirador do delegado linha-dura Antônio Lopes, meu pai não dava moleza: esbravejava com o time o jogo inteiro e infernizava os juízes. Porém, profissional que era, depois do jogo pedia desculpas aos apitadores e dava risadas com a gente.

Nas “resenhas” antes das partidas, meu pai sabia como ninguém simplificar a estratégia e motivar a rapaziada:

– Aqui não tem ninguém melhor do que ninguém, é tudo homem – costumava dizer.

Faz algum tempo que o seu Arão deixou de comandar o time, por conta de suas funções como vigia da Prefeitura, mas ainda acompanha os jogos quando pode e ainda fica doente com as vaciladas do Cervejas.

Lembro que nem mesmo o primeiro goleador que o Cervejas conheceu teve vida fácil com meu pai.

Carlinhos (o da Bodega do Porto) estava especialmente inspirado durante um jogo do terceiro campeonato que disputamos. Creio que foi na temporada de 1996. Foi no verão após terem dragado parte da praia do centro, para lá do rio que delimita o Baixio. Naqueles anos, o campeonato de futebol de areia era disputado nos domingos à tarde, não havia iluminação. Por causa da subida da maré, não terminou ali – o campo teve que ser mudado novamente para o Baixio.

Pois bem, enfrentávamos o time do Besc e o jogo estava realmente equilibrado. Não sei se num momento em que o Carlinhos perdeu uma bola, meu pai esbravejou:

– Calinho, seu m….! Não tás fazendo p… nenhuma!!!

No que o Carlinhos, em tom de desculpa, arrematou:

– Mas seu Arão, eu já fiz quatro gols!

De fato, os quatro gols do empate contra o bom time do Besc.
Num jogo seguinte, contra o Hora Certa, Carlinhos não teve o mesmo brilho. Depois de tropeçar na corda que delimitava o campo de jogo, ele caiu dentro d’água. Na saída, num impulso, tirou a camiseta encharcada. Tonho do Zeli, o juíz, não perdoou e expulsou o Carlinhos. Tomou um jogo de gancho por atitude antidesportiva.

Carlinhos continuou jogando no Cervejas mais algumas temporadas. Mas ele brilhava especialmente nos jogos comemorativos que promovíamos, os chamados Cervejas x Ressacas (o Ressacas era um combinado veterano de parceiros do Cervejas). Ao mesmo tempo, sua Bodega do Porto se tornou passagem obrigatória após cada jogo disputado. A casa sempre recebeu o time muito bem, mesmo depois da maior traição que poderíamos cometer: comemorar nosso melhor resultado em campeonatos, o vice de 2006, em outro boteco.

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