Projeto Som&Sol ocupa a Praça com gente, música e artesanato
A
tarde de domingo (17) não prometia absolutamente nada. A cerveja do
almoço pesava nas pálpebras e o rescaldo da chuva que tivemos pela
manhã inspirava um clima de outono antecipado. Estava nublado e
sequer se via fila na avenida, apenas um transitar
ocasional de veículos de um lado para o outro. “Que tarde para
tirar um cochilo”, provocava, já em “modo avião”, o
subconsciente. E, de fato, ele ganhou a parada — pelo menos até
que, de um pulo, eu saísse da cama com a urgência de quem tem uma
pauta a cumprir. Afinal, era dia de feira.
É feira, mas pode chamar de ocupação do espaço público. É desse jeito que Bruno Juliano Pereira, de 30 anos de idade, vê a coisa. Ele e a esposa Aline Battistotti, de 29, são os organizadores do Som&Sol, que pela sexta vez usou a Praça da Bandeira, em Porto Belo, como ponto de encontro entre artesãos de várias procedências — e seus produtos — e a população local. Ali, onde há o que se poderia chamar de anfiteatro (embora soe pomposo), bandas garantem o devido fundo musical. Não faltam a cerveja artesanal nem os famosos foodtrucks.
Tem vezes em que lamento a minha teimosia de não querer usar celular. A principal delas é quando me deparo com uma cena incrível e não tenho o maldito aparelho para fotografar.
Aconteceu ontem mesmo: fazia uma corrida quase no final do dia, maltratando as articulações após uma semana inteira de letargia, quando tive uma surpresa na estrada.
Plena manhã de quinta-feira e estou iniciando minha filha Cecília em uma velha tradição familiar: pouco antes da hora do almoço, nos encaminhamos ao bar do Miloca, ali perto da casa do meu pai, justamente para encontrar seu Arão.
Alguns minutos antes, estávamos, eu e ele, empenhados em derrubar um poste de concreto que havia na frente de casa e estava deteriorado pela maresia. Finda a tarefa, seu Arão resolveu tomar um gole.
Faz um tempo, chamou-me a atenção o fato de uma lanchonete de nome Porto Viking fechar suas portas, após persistir um verão e meio, talvez dois.
Era um gancho irresistível para introduzir um problema que se tornava evidente e que o fotógrafo Gilmar Castro recentemente batizou de “desertificação do Centro”: uma tendência de os pequenos negócios da cidade encerrarem suas atividades, deixando para trás uma quantidade escandalosa de salas vazias e placas de “aluga-se”.
De tempos em tempos, um aviso aparece em “lambe-lambes” colados nos postes da Governador Celso Ramos, anunciando: o fim está próximo. Sim, senhores, Hercólubus, o temível planeta vermelho (ops!), está novamente a caminho da Terra, e sua visita promete convulsionar nosso pobre planetinha azul. As epidemias e perturbações climáticas que estamos vendo são apenas um aperitivo. O pior ainda está por vir.
Pelo menos, era nisso que acreditava o místico colombiano Joaquin Enrique Amortegui Valbuena (1926-2000) – ou, para os chegados às suas teorias, V. M. Rabulú. Em 1998, ele escreveu Hercólubus ou Planeta Vermelho, livro ao qual fazem referência os cartazes que apareceram no início de março na avenida principal da cidade.
Segundo a Alcione, uma associação criada na Espanha em 2007 para divulgar a obra de Rabulú e que distribui o livro gratuitamente para todo o planeta, Hercólubus “é resultado das investigações de seu autor nas dimensões superiores da natureza”. O que vem a ser isso? Bem, aqui temos uma explicação do autor: “Sustento o que escrevo neste livro porque conheço, estou seguro do que digo porque tenho investigado a fundo com meu corpo astral, que é o que me permite dar-me conta de tudo, minuciosamente”.
Minha curiosidade surgiu pela frequência com que encontro os cartazes do livro colados pela cidade. Algum abnegado seguidor do guru colombiano, sem dúvida. Entrei em contato com a Alcione para tentar descobrir quem seria o agente dessa campanha.
A entidade, porém, desconhecia a ação: “Nós, da Associação Alcione, não colamos cartazes em postes por ser proibido na maioria dos municípios brasileiros. Sabemos que há simpatizantes do livro que fizeram cartazes com nossos sites e página do Facebook (sem nenhuma autorização nossa) e que têm colado em alguns municípios brasileiros. Infelizmente, nós não temos nenhum colaborador que mora na região de Porto Belo”, informou a associação via Facebook.
Por coincidência, nesta mesma semana em que buscava saber mais sobre os “avistamentos” do Hercólubus em Porto Belo, encontrei no Facebook um link para uma matéria do tabloide britânico The Sun, de 6/04, na qual o astrofísico Daniel Whitmire, da Universidade da Louisiana (EUA), afirma que o Planeta X, que foi responsável pela extinção dos dinossauros, pode repetir sua desastrosa performance… neste mês!
Para Whitmire, o Planeta X é o Planeta Nove descoberto no mês de janeiro e que tomou a vaga que antes era de Plutão, atualmente na segunda divisão planetária. Na verdade, ninguém viu o novo planeta ainda, mas pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia afirmam ter encontrado “evidências sólidas” de que ele existe. Pelos cálculos dos pesquisadores Konstantin Batygin e Mike Brown, ele tem dez vezes o tamanho da Terra e orbita o Sol a uma distância vinte vezes superior à de Netuno, que é o planeta mais distante do Sistema Solar. Aparentemente, devido a sua órbita incomum, demoraria em torno de 15 mil anos para dar uma volta no nosso astro-rei.
Seria o Nove Hercólubus? Claro que muita gente relacionou a descoberta ao misterioso planeta vermelho, ou então a Nibiru, astro mencionado em antigos mitos sumérios (e que deveria ter decretado o fim do mundo em 2012), entre outras teorias que os cientistas desdenham como coisa de maluco. Mas, pelo sim, pelo não, acho que vou encomendar meu exemplar do livro… Se der tempo.
Começo de noite em Porto Belo. O frio arrepia a pele enquanto espero um compromisso sentado no banco da praça central, lamentando a imprevidência de não ter trazido um casaco. Quase trinta minutos depois, convencido de que a reunião já era, percebo que o tempo não foi de todo desperdiçado: da direção do Baixio vem o seu Nabor, com o boné característico, as mãos às costas e o corpo levemente curvado para a frente. É a oportunidade que esperava de propor-lhe uma entrevista. Mas cumprimento-o quando passa e deixo que se vá. Vejo-o atravessar a praça em direção à avenida. Deve estar indo para casa. Olho no relógio e decido seguir o homem.
Alcanço-o duas quadras adiante, quase em frente à padaria da Catarina. Chamo por ele, que para e escuta enquanto explico meu projeto de recolher depoimentos sobre a história de Porto Belo a partir da vivência de alguns moradores. Uma pesquisa, afirmo (na verdade, a ideia é escrever um livro e também gravar um documentário com a parceria dos amigos Thiago Furtado, acadêmico de jornalismo, e Isa Manerich, fotógrafa). Poderia visitá-lo outro dia, na companhia desses colegas, e gravar uma entrevista? Seu Nabor responde que sim, mas não demonstra grande entusiasmo.
Conversamos no curto trajeto até a esquina que leva a sua casa. Quando já me despedia dele, o rosto se lhe ilumina e o velho carpinteiro naval, 89 anos de idade, conta que, faz alguns dias, umas moças do Rio de Janeiro conversaram com ele no Trapiche dos Pescadores. “Fizeram um monte de fotos”, diz, animado. Digo que vi um retrato seu recentemente, publicado pelo fotógrafo da cidade, Gilmar Castro (também autor da foto que ilustra este texto). “É um grande amigo meu”, replica.
Agora seu Nabor está mais à vontade e disposto a prosear. Lembra que aos sete anos “corria Bombinhas inteira, vendendo doces”. Recompõe, de memória, o local onde estamos tal como era antigamente, o engenho de açúcar que já não existe mais. Sorri ao contar da labuta diária: “A gente vivia sob jugo de trabalho pesado, mas era um tempo agradável”, recorda.
Seu Nabor revela que tem uma cirurgia marcada, para retirada de uma hérnia. Diante da incerteza do resultado, ouviu do médico que será coisa simples, uma vez que ele é magro, então o caroço não acumula muita gordura. “Vai ser o que Deus quiser”, pondera, reconhecendo que estamos aqui apenas de passagem, “emprestados pelo tempo”. E com essa reflexão ele se despede, não sem antes desejar um “Deus te abençoe”. Ao senhor também, seu Nabor…
Atualização em 30/01/19: Em 2015, seu Nabor teve o nome envolvido em um rumoroso caso de polícia, acusado de integrar um grupo de pessoas que aliciava menores. Chegou a ser preso, mas foi solto dias depois. Seu Nabor morreu em dezembro de 2017.
Como é normal de qualquer cara que tenha crescido num ambiente impregnado de acordes, Ângelo César da Silva, 35, corria mesmo sério risco de se tornar o músico que é. Contrabaixista com contribuições em boa parcela da produção musical do Estado e tendo conhecido um relativo estrelato compondo a “cozinha” da festejada banda portobelense Uniclãs, Cezinha faz pouco mais de um ano decidiu assumir a difícil tarefa de pagar suas contas exclusivamente com o suor da sua arte. Percalços à parte, está satisfeito com sua decisão.
Nas noites de sexta ou sábado, o Tatuíra, no centro de Porto Belo, é o palco mais frequente do músico. Cezinha, entretanto, se desdobra: grava com artistas já tarimbados, muitos dos quais é fã assumido (o itajaiense Vê Domingos é um deles), participa do Sarau Afro-açoriano, premiado projeto de música folclórica de Porto Belo, do Música Orgânica, capitaneado pelo ex-parceiro de Uniclãs André “Coveiro”, e também dá aulas do seu instrumento em escolas de música e para particulares. “Não tem como ser só uma coisa”, explica. “Todo dia tem que estar correndo atrás”.
Filho e neto de cantadores de reis (sua reminiscência musical mais primitiva é um “terno” que testemunhou na infância, na casa de vizinhos na Enseada Encantada), natural de Porto Belo, quando garoto Cezinha se apropriou do violão paterno e criou o hábito de se trancar no quarto para aprender a tocar e compor. Tinha nessa rotina a cumplicidade do primo Jefferson Otto. Juntos, rabiscavam composições, curtiam o início da MTV no Brasil, ouviam discos e dividiam o gosto pelo pop rock nacional do final dos anos 1980, começo dos 90.
Nesse período, Cezinha vivia em Itajaí. Quando, aos dezessete, voltou a morar em Porto Belo ― que havia deixado aos seis ― ele e o primo se uniram a André Gomes de Miranda. “Coveiro” já cantava e tocava, e foi fundamental para alavancar os sonhos da dupla. Juntos, convocaram outros aspirantes a músico, arranjaram instrumentos emprestados e começaram a animar os intervalos de recreio no Colégio Estadual Tiradentes, sob o nome Cordas de Varal. Tornaram-se populares entre a garotada da escola, embora o som não fosse aquelas coisas, segundo Cezinha.
Na época, outro colega tocava baixo e, quando saiu, não restou-lhe alternativa que não assumir a função.
E foi com ele tocando baixo que os amigos fundaram a Tormenta, um estágio musical um pouco mais avançado, com apresentações em bares e eventos da cidade. A banda terminou e os integrantes se separaram: Cezinha, Jeffinho e o guitarrista Alex Sancho ― outro nome que terá importância na história do músico ― foram para a Gato Preto, de Tijucas; Coveiro se reuniu a outros colegas e criou a Al Jihad.
UNICLÃS
Não demorou, entretanto, para todo mundo voltar a se reunir, dessa vez sob as asas de um voo bem mais ambicioso: a Uniclãs. O estopim dessa reunião foi a descoberta da veia artística do também primo Fernando Kruscinski: Nando não apenas compunha, como cantava bem, possuía timbre marcante. Em torno dele, todos os amigos resolveram apostar num projeto autoral. Batizaram a iniciativa Uniclãs para evidenciar a mistura de influências musicais que a banda teria e a forte afinidade entre todos.
“Era mais que uma banda. Era uma família”, lembra Cezinha com saudade. “Era” talvez não seja o tempo verbal mais correto, porque o grupo está numa espécie de stand by, após várias idas e vindas. Mas o período mais marcante da banda, de fato, passou. Foi no início dos anos 2000, quando pôs seu nome no mapa da música catarinense, conquistando um festival de bandas em Joinville, e gravando um clipe como prêmio, depois uma demo e, em 2003, embarcando para São Paulo para gravar, no estúdio do ex-RPM Luiz Schiavon, seu primeiro álbum, Viagens no Exílio.
“A gente nunca tinha saído da nossa região”, Cezinha sublinha a mudança que isso representou. Talvez uma mudança muito súbita, e por isso a rapaziada não conseguiu administrar, ele pondera. A Uniclãs obteve sucesso, realizou grandes shows, o último no teatro de Itajaí, em novembro do ano passado, em mais uma tentativa de retorno. Uma nova reunião, no momento, não parece provável.
NOVOS PROJETOS
Cezinha lamenta, mas não tem muito tempo para remoer o passado. É preciso certo malabarismo para administrar a carreira de músico, colocar o contrabaixo a serviço de diferentes artistas e da aspiração de quem o tem como referência. Para isso, “cancha de palco” só não basta. Por isso, Cezinha concluiu o Conservatório de Música de Itajaí (onde conheceu a intérprete Adriana Benvenuti, com quem casou há dois anos e meio) e está cursando bacharelado em música em Curitiba (PR). “Tô ralando bastante”, garante.
E nisso já se vão uns vinte anos de “ralação”. Natural que, em algum momento, uma sombra de dúvida paire sobre sua cabeça. É porque a rotina às vezes pode esmagar o entusiasmo e nos fazer encarar a temível pergunta: “Será que estou no caminho certo?”. Cezinha mais de uma vez se questionou a respeito. O tempo tem lhe ajudado a formular a resposta: “É a minha profissão”. Uma sentença simples que ele faz acompanhar pela certeza de que dificuldade e recompensa caminham num mesmo compasso, tecendo melodias em tons graves a intervalos de terças, quintas e sétimas, maiores e menores, acordes que o portobelense domina com a mesma facilidade com que se espana da mente uma ideia ruim. Cezinha é músico. E gosta disso.
Cláudio Dadam extrai da simplicidade seus versos d’alma (*)
Sexta-feira, 1º de outubro de 2004, uma noite especial no centro de Porto Belo. O pequeno espaço da Livraria Oceânica, no Centro Comercial Dolce Vita, está apinhado de rostos conhecidos. Do lado de fora, nos bancos posicionados no passeio, entre concreto e grama, velhos amigos conversam animados, violões são tocados e antigas histórias saltam da memória. Do lado de dentro, atores novatos da “Trupe dos Avessos” fazem seu debut recitando versos escritos pelo homenageado da noite.
A plateia, metida entre livros e revistas, delicia-se com a encenação, que é coisa rara de se ver na cidade. Em um dos atores, os olhos crescem de apreensão, um suor fino marca a maquiagem branca sobre o rosto moreno, o texto escorrega da língua, não sai. Mas, para quem vê, entre goles de vinho e satisfação indisfarçada, tudo está perfeito. Do lado de fora, a mesa com uma cerveja no centro reúne em volta o pessoal da banda “Uniclãs”. O tema da conversa é a política (estamos nas vésperas da eleição municipal).
Do outro lado, Carioca puxa um chorinho, Claudinei emenda com um repertório pop. Todos concordam que a noite está excelente: um pouco do que há de melhor na produção artística local reúne-se ali e, no centro de tudo, o motor da festa sorri satisfeito: “Está tudo ótimo”, comenta Cláudio José Dadam, os trinta anos recém-completados dia 20 de setembro. Ao lado da mãe, Enedir Santiago, a caneta na mão, recebe os cumprimentos pelo lançamento do seu primeiro livro, “Sereno de Lírio”, e autografa alguns exemplares.
Essa noite assinala o nascimento do poeta.
ESTADO POÉTICO
Não que Cláudio Dadam, que todos chamam de Mano, tenha se feito poeta durante o processo de composição de “Sereno de Lírio”. Na verdade, seus versos vêm de longe, estão com ele desde sempre, por assim dizer. Hoje, porém, como atestam os amigos, Mano é poeta 24 horas por dia. Basta uma conversa rápida para concordar com essa afirmação. Feito um profeta, ele fala por rimas, substituindo a conversa objetiva por citações nem sempre fáceis de compreender, mas que dão uma indicação precisa do quanto a veia poética está saliente em seu dia a dia. Claro que, para muita gente, este permanente “estado poético” causa alguma estranheza, para dizer o mínimo.
Mano demonstra certo desgosto com essa impressão. Conversamos na sua casa em uma tarde de terça-feira (2/11), e ele comentou que, na noite anterior mesmo, ouviu, de um chegado seu, comentários negativos que mexeram com ele: “Nem a fé é tão inabalável assim”, justifica, para depois emendar: “Fico ressentido com esse julgamento, mas a gente tira de letra, cria anticorpos”. Mano não conta o que exatamente ouviu, mas, ao que parece, o colega teria questionado a autenticidade da sua personalidade artística, insinuando que se trata de um modismo, uma influência exercida por terceiros.
Tudo porque, como já se falou, Mano parece ter se revelado poeta ontem. O que muita gente não sabe, e ele conta agora, é que seus versos remetem aos bancos da escola, lá pela quinta ou sexta série da Escola Básica Tiradentes. O menino daqueles dias se empenhava em escrever boas redações e as professoras coroavam seus esforços com elogios. Aos onze anos, inspirado pelos amigos, produziu uma espécie de zine, chamado “O sol, o Sagrado” (um trocadilho com a palavra “solo”). Aquele ano, porém, ficou marcado por outro motivo: foi em 1985 que o avô, Zózimo Antônio Santiago, morreu. A notícia da morte veio primeiro como pressentimento e Mano passou, a partir dali, a caminhar de acordo com a sua intuição.
FUTEBOL
Dos primeiros tempos de criação não restaram muitos vestígios. Aos dezessete anos, o rapaz lotou uma caixa de papelão com cartas, textos, desenhos e rimas, tudo o que dizia respeito à sua vida, convivência e segredos afetivos, e lançou ao fogo, essa ferramenta voraz do inquisidor. O artista explica que a atitude, um tanto extremada, foi uma forma de camuflagem, o escudo de uma personalidade tímida e reservada. Com isso, o poeta ficava escondido, negligenciado no fundo do inconsciente. Sobrava o esportista.
Mano passou boa parte da juventude correndo atrás de uma bola de futebol. Nesse esporte, que ainda pratica com disposição, é reconhecido como craque. Grandalhão, rápido e habilidoso, possui espaço certo em qualquer equipe da região. Durante uma época, tentou profissionalizar-se no esporte, mas foi um período de idas e vindas que não resultou em muito sucesso. O poeta ficou por trás das cortinas, aguardando sua vez.
Para encurtar uma história longa e chegar ao atual momento de criação literária, basta dizer que, a partir de setembro de 2002, Mano passou a escrever compulsivamente. Encheu várias folhas de cadernos com seus versos, material suficiente para editar treze livros – cada qual com uma temática diferente – e publicou o de estreia, “Sereno de Lírio”. O título vem de uma antiga advertência que a avó, Leontina Santiago, lhe fazia quando moleque: “Cuidado com esse sereno, que é um perigo”. Do conselho ele partiu para uma viagem ao passado, relatou suas experiências e, sobretudo, exaltou a sabedoria dos mais velhos, algo bastante significativo nesses tempos de rebeldia e desobediência juvenil.
VERSOS SIMPLES
Os versos do livro são simples, despojados, com uma rima bem marcada. O conteúdo, além de referências ao passado e ao convívio familiar, é carregado de ensinamentos que a vivência do autor acumulou e, generosamente, compartilha com o leitor. Não quer dizer, por outro lado, que Mano pretenda dar lições de moral, justo ele que vive, como faz questão de ressaltar, uma vida desprovida de ambições e levada a extremos. Nada disso. Apenas reflete a angústia do artista perante um mundo cada dia menos solidário, menos humano. Mesmo assim, sua poesia não deixa, em momento algum, de ser positiva, esperançosa. Essa característica é marcante também na obra ainda não publicada. Mano planeja para o início de 2005 levar ao prelo “Sonhos Azuis”, coletânea de versos apanhados ao acaso, durante passeios oníricos. Na sequência deverão vir “As Escrituras do Ar”, cujos temas, curiosamente, são releituras daqueles antigos textos que viraram cinzas na fogueira, mas que, como fênix, voltaram exigindo seu lugar, e “O Livro Negro”, uma apreciação sobre as tensões e a hipocrisia escondida no convívio familiar, mas que nem por isso dissipam a ternura do lar.
Muito mais ainda há de vir da caneta inquieta de Mano Dadam. Encharcado no sereno, vivendo como boêmio na noite da cidade, esse rapaz “da cor da lua”, de cabelos compridos, barba por fazer e sorriso largo renuncia à ira e vive de sonhos. O maior deles, transmutar seus versos em pão, viver da sua arte com a mesma simplicidade que são seus versos, celebrar a sua espiritualidade e, vez por outra, tocar as pessoas com a poesia que ele retira da alma. Como o poeta mesmo diz: “A minha consciência me permite saber o que eu sou, mas não o que eu posso ser”. Que seja assim, então.
(*) Texto desenvolvido originalmente para a disciplina de História da Arte do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade do Vale do Itajaí, em novembro de 2004
Na abertura do Campeonato Municipal de Futsal, nesta segunda (28), no ginásio do Colégio Tiradentes, o secretário de Esportes Osvaldo di Pietro fez um comentário em tom de brincadeira. Referindo-se ao Candôco (sempre ele), Vadão falou: “Na próxima vez, a gente vai fazer uma abertura no teto do ginásio, para o caso de passar algum avião”. E arrematou: “Algumas pessoas aqui vão entender”.
Quem já jogou no Cervejas ou se reuniu com o pessoal do time após algum jogo lá no Bar do Calinho, certamente já ouviu do Candôco (umas vinte vezes) a história do avião. Para os que não conhecem, eu vou contar.
Tudo começou no Maré Mansa. Ou melhor, antes. Era o ano de 1993 e nossa turma estava readquirindo o interesse pelo futebol. E isso de um modo um tanto canhestro: se não me engano, um sobrinho meu havia ganhado uma bola de presente e resolvemos fazer “usucapião” dela, promovendo rodas de toque ou de bobinho com cervejas na mão.
Veio o verão de 1994, ano de Copa, estava saindo a segunda edição do Campeonato de Futebol de Areia (nada de Beach Soccer ainda) e resolvemos, ali na “redação” do Maré Mansa, inscrever um “anti-time” para participar: o Maré Mansa, depois Cervejas.
PERNAS DE PAU
Começamos elegendo o goleiro. Teria que ser o Candôco. Na época, ele morava em Floripa e desde moleque, quando ganhou uma camisa laranja como a do Raul Plassmann, levava jeito para a coisa. Para vestir a dez e comandar o escrete, o Mirinho, que tinha talento. O resto…
Fechamos a conta com uma cambada de pernas-de-pau sem conserto. O resultado da estreia fala por si: 12×0 para o Futebol do Porto – embora o do segundo jogo tenha sido “só” de 6×0. Mas isso tem explicação: na primeira rodada, a área de jogo foi montada próxima da água. O piso era firme e favorecia o toque de bola. Só que a maré subia e lá se ia o futebol. Então, na segunda rodada, o quadrilátero do jogo subiu para a parte distante da água, porém de areia mais fofa, que, todo mundo sabe, dificulta o jogo.
Todo esse preâmbulo para falar do avião…
Aconteceu no jogo contra o time do Besc. Ocorreu uma falta contra nossa equipe e o Candôco armou a barreira, e escolheu o canto oposto a esta para se posicionar. Zezeca estava a postos para fazer a cobrança quando uma aeronave cruzou baixo o céu, tirando completamente a atenção do nosso goleiro – fissurado em aviões, ele havia se alistado na Base Aérea em Florianópolis com a esperança de voar num deles.
O juiz apitou a falta, mas o Candôco ainda estava sob efeito da surpresa. Só voltou a si quando o pessoal do adversário saiu comemorando o gol mais fácil que jamais haviam feito e toda a torcida em volta rachava o bico de tanto rir.
O Arão eternizou o lance com o seu traço brilhante (abaixo). E aqui temos uma versão da história, escrita pelo Vadão.
Todo mundo já ouviu falar em air guitar, aquela brincadeira em que o sujeito simula estar esmerilhando uma guitarra imaginária. Tem até concurso para ver quem tira o melhor “solo” do instrumento fantasma…
Agora, o que você não deve jamais ter ouvido falar é da “air knife”. Acontece que o precursor dessa engenhosa variação foi o Ari – ou Ti, para quem prefere. Pois antes de conduzir uma bem-sucedida carreira no ramo imobiliário, o Ti mostrou habilidade no trato com facas… de mentira.
Melhor explicar esse negócio. A coisa toda ocorreu lá por 1994, 1995, época em que Porto Belo vivia seu apogeu de atividades culturais destinadas ao grande público. Época também do Palco das Artes, que traria à cidade a primeira leva de nomes famosos da música.
Mas, naquele verão, era o belo palco instalado em frente ao que hoje é a cantina do Betão, competente técnico do Tatuíra FC, que fazia a alegria da moçada.
Musicalmente também foi um período memorável: naqueles dias, o que muita gente ouvia era o Álbum Preto do Metallica, o Nevermind do Nirvana, e outras coisas do gênero. E havia o reggae também…
Sendo assim, a rapaziada comparecia aos shows que ocorriam naquele palco quase diariamente e infernizada os músicos com pedidos de Enter Sandman, Orgasmatron etc. Quando esses acediam, era um deus-nos-acuda. Mas tudo dentro de relativa normalidade.
Menos quando apareciam os rapazes da Meia Praia.
Inimigos jurados da molecada daqui, a presença deles em Porto Belo (e vice-versa) era sinônimo de encrenca. E nós estávamos lá na frente do palco, animados, quando o Ti avistou um desses caras numa noite qualquer.
Sua reação foi imediata: se dirigiu até onde o cara estava, meteu a mão direita na cintura e puxou num raio alguma coisa que saiu brandindo diante das fuças atônitas do rapaz. E como ele estivesse acompanhado de mais um ou dois, o Ari estabeleceu um perímetro em volta de si girando o braço adiante como se fosse um perigoso espadachim.
Não demorou para a coisa virar um pandemônio, todo mundo saiu correndo, gritando: Faca! Faca! A área diante do palco virou logo um deserto e, sem entender nada, perguntei: – Ô Ari, que é deu?
– Nada, cara! Só fingi que tava com uma faca pra dar um susto naqueles caras.
Natural de Porto Belo (SC), Alcides Mafra começou sua trajetória no jornalismo em 1990, trabalhando como chargista e diagramador para jornais do litoral norte de Santa Catarina e Vale do Rio Tijucas. Em 1996, ajudou a fundar o jornal Pirão d’água, em Porto Belo, o qual editou durante cinco anos. Foi repórter das revistas Photos & Imagens e Photo Magazine e diretor de conteúdo do site iPhoto Channel. Trabalhou ainda como revisor e coordenador editorial da editora iPhoto. Formado em Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), é autor do livro Contam os Antigos… História e lendas de Bombinhas (editora Univali, 2006) e um dos autores do projeto de documentário audiovisual Retratos de Porto Belo, contemplado pelo edital de cultura do município de Porto Belo em 2016 e homenageado com Moção de Parabenização pela Câmara Municipal de Porto Belo em 2017.